quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Sombra * Antonio Cabral Filho - Rj

Sombra


Sombra

Se eu me movo e caminho ou não
O mundo se move comigo
E junto segue outra pessoa
Em forma de sombra.

Aonde eu vou ela me segue
À frente, atrás, aos lados,
Mas me segue, incontinente,
Alheia à minha vontade
E livre do que diz a metafísica.

É a sombra
que não me deixa em momento algum,
mais do que possa minha vã curiosidade
imaginar como isso tudo se dá.

E o mais interessante entre nós
É que vivemos pacificamente
 em relação ao espaço
e nenhum de nós quer saber
quem tem prioridade,
quem ocupa mais ou menos latitude,
quem chega ou quem parte primeiro,
se estamos convictos
de que só existimos juntos. 
*

domingo, 27 de março de 2016

Gesto Morto * Antonio Cabral Filho - RJ

Gesto Morto
-pixabay-
*
Parti em busca do verso exato
e cruzei planícies drummondianas,
cidades baudelaireanas,
avenidas picasseanas,
prédios kafkeanos,
salas vitorianas
e fartei-me
de red
und
â
ncias
existenciais
até esgotar-se a paciência
e aportar-me na turbulência
maiakovskiana
com o verso atrás das barricadas
planando sobre os bombardeios
insuflando massas à revolução
com discursos de tratores
vestindo calças de nuvens
ou trajando apenas 
uma gravata amarela
mas vanguardeando proletários
sob as ordens de Lila Brick
sem jamais nem somenos com Lênin
e seu exército vermelho
tudo
por um amor visceral

... tudo tão visceral
como quixote do fim dos tempos
sem rocinante nem espada de vento
jamais com verso sem face humana
e forma de entranhas expostas

... tão visceral quanto Dante
rondando hospitais de guerra
colhendo imagens para seus versos
até arder incandescentemente
n'algum canto de seu próprio inferno
ou como o braço 
do último lobo dos mares
com seu gesto congelado no ar
pela flecha do verbo inimigo
que cruzou o espaço rumo ao seu peito
como este buscando a margem da página

... e se derivei por mundos ignotos
em busca do metro exato
mesmo tendo cometido verso roto
dou-me agora direito e rogo
de rolar na areia da praia
abraçado com meu verso nato.

*

quinta-feira, 24 de março de 2016

Afinidades Defectivas * Antonio Cabral Filho - RJ

Afinidades Defectivas
-lusopatiawp-
*
De tudo quanto a mim pertence
não levo o verso por alheio rumo
não quero nada de alheio dono
nem cruzo o Rubicão sem uma causa.

E na bagagem que segue comigo
nada contém além do essencial
pois na hora de acertar as contas
será purgado tudo que houver demais.

E as vaidades atiçarão as chamas
para o acalanto dos restos finais.
*

segunda-feira, 21 de março de 2016

Menino Sem Engenho * Antonio Cabral Filho - RJ

Menino Sem Engenho
-voaportugues.com-
*
O filho do agregado,
homem de lida,
faz engenho nas monções,
senhor de tudo.

Vem o vento,
candeando nuvens
e fecha cortinas de tarde.

Menos se espera,
a garapa vem do céu
e lava rostos suados,

salgando o caldo da cana,
quando vai a pique a nau dos anjinhos,
sob orações e punhados de terra.

*

quarta-feira, 16 de março de 2016

Ócios Do Ofício # Antonio Cabral Filho - RJ

***
ÓCIOS DO OFÍCIO

Vida de poeta
não é fácil;
construir o poema,
verso a verso
com ou sem jarda,
é como navegar
no mar de Ulisses,
cuja maré
sempre nos apronta
novas surpresas
e o ineficaz instrumento do vate
no labor perene com a peça
nunca concede a imagem explícita
na busca do metro exato
e nos larga no ponto final
sem duvidar da palavra,
prontos a fechar o poema
como quem fecha para balanço
(por motivos de força maior 
reabrirei segunda - feira)
ou como quem esmurra
o ubre da vaca
para que ela solte o leite
e guiar a pena linha a fora
sem deixar que o poema
encalhe nas figuras de retórica,
como se a palavra fosse rosa
e desabrochasse em flor
sem as carícias do sol.
*